quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Companheira Preguiça,

Esta noite, tive uma conversa comigo mesma. Revi nosso longo relacionamento e decidi escrever-te. Veja bem, tivemos momentos ótimos . Eu, tu, deitadas sobre a moral e o imperialismo capitalista durante anos. As manhãs que emendamos nas noite e, logo, viraram tardes. Nossa cama, nosso sofá, nossa solidão recheada de muita vagabundagem e prazeres ilegais e feios. Fomos julgadas e enfrentamos bravamente a atitude e a vontade. E vencemos quase sempre. Foram imensas as nossas conquistas juntas, eu não nego. Mas vejo que não temos uma relação benéfica. Tenho amigos inseparáveis. Um exemplo é o grande Amor. Desde pequenininha ele me acompanhou e me deu tantos motivos para sorrir. Não, não te sintas rebaixada. Também sorrimos muitas vezes juntas. Não tenho dúvida disso. Mas o Amor, embora muitas vezes tenha me prejudicado, me ajudou tanto. Nas noites em claro em que conversei com ele, aprendi. E nossos encontros, Preguiça, são tão sonolentos sempre. Não me recordo de ter aprendido algo contigo. Na verdade, tudo que vivemos juntas, me fez aprender que não preciso de ti. Não quero que fiques triste. Nunca gostamos da Tristeza e eu sempre te cultivei tanto. Sempre te protegi no meu interior e te sustentei com teorias falhas e irreais. Não quero que penses que não sentirei a Saudade entre nós duas. Mas, amiga Preguiça, peço humildemente que te vás. Não quero mais nossa relação viciosa. Peço-te que vá, porque eu não consigo te abandonar. Eu preciso seguir. Preciso fazer as coisas que sempre tive vontade. Eu não sei se vais me entender porque sempre tivemos uma grande cumplicidade e tu deves pensar que eu nunca quis fazer nada. E, de fato, ao teu lado, sempre preferi o ócio. Mas vejo os outros, vivendo e me sinto morta, Preguiça. Vejo que minhas horas passam vazias e eu não faço uma história. Apenas imagino tudo e quando tento realizar, tu chegas, sorridente, brava, guerreira e me convences que eu não preciso levantar. És, sem dúvida, a grande inimiga do egocentrismo humanos. Ao teu lado, nunca tive desejos de mudança e sempre me resumi a insignificância de uma reles mulher. Mas entenda, a Necessidade se aproximou de mim e me sussurrou ao pé do ouvido que eu preciso me enquadrar. Ela tem feito isso desde sempre, mas agora, eu sinto que é a hora. Não que antes não fosse. Essa hora, na verdade, já passou há tempos, mas agora se tornou inadiável. Preciso estudar, Preguiça. Preciso andar de bicicleta, ler um livro até o final, preciso tocar violão e compor uma melodia nova para a minha vida. Estou perdendo a companhia da Esperança e eu gosto dela. Estou perdendo a companhia da Compreensão que é tão linda. Elas estão me abandonando claramente. Vejo-as se afastando de mim. Até o Amor, meu mais antigo amigo, tem me dito que ele não poderá ser presente se eu não te excluir da minha vida. Eu já tentei, confesso. Inúmeras vezes, tentei te mandar embora, mas és tão envolvente, tão carismática que, quando percebo, estamos caídas numa intimidade absurda. As vezes penso que só tu me entendes porque não me julgas nunca. Nunca recebi de ti uma cobrança de ser. Mas também nunca me deixaste ser nada. Eu te escrevo porque não quero mais te encarar. Já que não consigo te deixar, por favor, amiga Preguiça, vá embora. Não venhas mais me visitar. Quando eu te sentir, terei de te rejeitar. Não pensa que te trai. Mas eu conheci verdadeiramente a Vontade e ela me passou coisas tão boas. Ela me mostrou um mundo colorido, cheio de encantos nas noites escuras e frias que tive depois de tu teres me visitado. Conheci também a Infelicidade e a detestei. Que ruim que ela é. Ela me faz chorar e eu não gosto disso. E, coincidentemente, ela sempre chega depois de ti. Das vezes que não nos encontramos, Preguiça, ela não veio até mim. Veio-me uma sensação de realização, nesses dias. E eu pude dormir ao lado do Cansaço tranquilamente. Nem o odiei como sempre. Entenda, eu não posso ter inimigos como o Cansaço e a Infelicidade. Eles são perigosos, traiçoeiros. Me cobram incansavelmente que eu os sinta depois de te encontrar. Ai, Preguiça, não me entendas mal. Não quero que vás para sempre, Eu gosto de ti. Mas quem sabe estabelecemos limites? Podes me visitar sempre aos domingos, que achas? Eu te chamo e vens me acompanhar. Prometo que passaremos um dia recheado de nada e teremos preguiça de existir juntas. Bom, companheira, não penses que sou ingrata ou que me vendi para a Atitude, tua grande inimiga. Só preciso rabiscar novos caminhos, fazer estradas na minha vida. Foi um prazer imensurável termos sido amigas. Nunca me esquecerei dos nossos momentos juntas, mas acabou, Preguiça. Espero que consigas outro companheiro para ti e que não fiques parecida com a Solidão, sempre só e triste.
Um grande beijo, um abraço, nada muito cansativo, claro.

Thais Dornelles