O melhor era o amanhecer. Ela levantava da cama e saia nua,
esticando os ossos das mãos e cantarolando. Eu ficava lá, ouvindo o barulho do
chuveiro ligado e a imaginando tirando o shampoo... eu precisava dela como um
gato precisa de um amigo: ele sabia ir embora, mas sempre voltava. Quando ela retornava ao quarto, eu fechava bem os olhos, preferia que ela me acordasse com
algum carinho no pescoço. Nessa altura, já não era segredo que eu a observava,
o modo como vestia a blusa e arrumava o cabelo diante do espelho, depois o
momento em que os olhos azuis ganhavam o lápis escuro e as sobrancelhas claras,
tão claras que mal apareciam, ficavam castanhas e – por fim – o perfume que
nunca havia sentido antes na minha vida em ninguém. Era hora da despedida.
Incrível sentir isso, mas era o pior momento do dia, como se todos os dias algo
rompesse brutalmente. Era como uma poesia interrompida pela bateria
ensurdecedora do vizinho adolescente. Eu precisava me distrair até ela voltar. Não sei ao
certo se eram meus olhos que explodiam paixão ou se ela era real, sei que eu
podia dormir entre suas pernas, decorando cada sinal na sua pele branca. Não
entedia porque não era para ser se era tanto! No silêncio, nossas conversas
eram agradáveis, serenas. Não havia um dia de paz. Eu enfrentava um dragão,
fictício ou não, para tê-la ao meu lado. Tinha horas que repetia
incessantemente, para convencer-me, que não a queria, que não a amava. Mas
queria e amava desgraçadamente. Eu era jovem, ela calejada, eu era doente e ela
desesperada; ela não sabia mais amar e eu queria aprender. Meu corpo dependia
dela como um viciado depende da heroína. Nossas horas eram de angustia e
prazer. Eu fazia as malas, jurava não voltar, mas entrava em abstinência e não
segurava a barra. Nosso amor era como a tragada de um cigarro vagabundo, fazia
mais mal do que bem, fazia tossir, causava falta de ar, mas eu não podia viver
sem. O que era aquilo, eu perguntava ao espelho, com os olhos inchados do
arrependimento. Nunca recebi uma resposta. Nossas horas boas eram como segundos,
quando eu percebia, os beijos já haviam virado mordidas dolorosas e as palavras
de amor agressões. Era tanta mágoa que nem sabia quanto o meu coração era forte. Ela me doía as entranhas, meu peito sangrava e quando eu me
desarmava, ela pedia menos drama. Eu queria tudo com ela, ela não queria nada
comigo e dizia que o nada era tudo. Ela nadava em mim e eu morria afogada com
as ondas que criava para mata-la.
Ela permanece ao meu lado. Agora dorme, exausta. Fizemos
todas as juras de amor possíveis essa noite e, noite passada, todas as juras de
ódio existentes. Minha montanha russa é americana; pequena e sem graça perto da
dela. Meu navio de ultima geração, equipado para enfrentar os pior dos oceanos,
é uma canoa furada diante dos seus olhos da cor do mar. Finalmente conheci
alguém como eu, eu exclamo. Nosso amor é uma tatuagem feita com agulha quente,
queima, arde e não cicatriza, mas durará para sempre.
Eu a amo enlouquecidamente, cada dia mais...