segunda-feira, 21 de maio de 2012

Sem parte 2.

é, Lúcia, tô na fossa! Não sei porque teimei tanto em negar isso. Tô acabada, destruída como nunca pensei ficar na vida. Minha armadura de aço derreteu-se diante de dois olhos castanhos. Meu livros repletos de teorias foram rasgados e tacados no fogo, viraram cinza. Eu tinha um plano, sabe? Hoje sobrevivo. Não sei qual caminho pego, o que fazer exatamente. Logo eu, Lúcia, que sempre fui valente, tô ajoelhada, tô em apuros, não vejo saída pra curar minha angustia. Ela não me quer, mal me olha, amiga. Estou sentenciada a nunca tê-la, uma condenação tão injusta. Não há como recorrer, não há habeas que possa me livrar da prisão maldita dos meus dias sem ela. Prisão perpétua em regime aberto. Como? Todos os cantos me arremetem a ela, todos os nomes poderiam ser o nome dela... Preciso de coragem, Lúcia. Vivo assombrada desde que a conheci. Ela anda pela minha casa; é o meu reflexo no espelho. Nos outdoors espalhados pela cidade, ela sorri. Como pode ser tantas, sendo uma só? Ela dirige todos os carros da cidade, mana. O cheiro dela é mais forte que a todas as flores da primavera num mesmo lugar. No silêncio da madrugada, um barulho me atormenta: é ela gemendo sobre outro corpo que não é o meu. Eu nunca a terei, Lúcia. Nunca poderei segurar nas mãos dela e beijá-las. Eu não me permito chorar mas quando não resisto, sinto as lágrimas cortando meu rosto: lágrimas inúteis. Poderiam formar um rio de água salgada onde ela não mergulharia. Um rio morto e feio mas repleto de vida. Eu tenho tanto pra ela, mana. Tenho todo um sonho lindo, eu a faria feliz. Pensei em tudo, confesso: promessa, macumba, lobotomia. Ela não sai de mim, amiga. Meu sangue, virou o dela e tudo que percorre meu corpo, é feito de ausência. Ontem a vi, tão linda. Pintou os cabelos de preto, vestia preto, toda de preto. Viuvou sem perder o amor da sua vida, veio pro meu enterro sem saber porque morri. E, Lúcia, será que vai passar? Tá demorando tanto. Que dor, que dor, amiga... Hoje vou afundar, não me dê a mão mas se quiser permanecer ao meu lado... Tô com raiva da ciência, mana, desses deuses todos que não fazem nada. Como não inventaram ainda um remédio, uma pílula do esquecimento? O sistema capitalista não percebeu ainda que perde mão de obra e tempo quando seus escravos estão adoentados de amor? Cadê a cura pra esse desespero? Isso é tortura, tratamento degradante, fere o princípio da dignidade humana e o da autonomia também: quero esquecê-la, se quero, porque não posso? Porque ela me olha com desprezo, os olhos repletos de raiva? O que eu fiz, Lúcia, se não fiz nada pra ela? Porque ela me condena, e o princípio da insignificância? Que mau eu fiz, que bem jurídico a não ser o meu coração eu afetei? E o princípio da intranscendência, já que sou culpada, que eu pague sozinha. Minha mulher nunca agiu com dolo ou culpa e nem eu. Mesmo sem querer, maninha, ela cometeu uma lesão corporal gravíssima, meu peito está em pedaços...destruído.

domingo, 20 de maio de 2012

Sem.




O álcool não alivia; ele faz transbordar.
Eu fugi por horas da realidade
Grande estupidez
Estou só e fragilizada
Não há nenhuma voz, nenhuma mão pra me acariciar.
Talvez eu que esteja confusa, meus amores.
Eu posso ouvir o silêncio impiedoso da noite
A cama vazia
Teu perfume pela casa
Nossa história escrita pelas paredes
Todos os teus sinais anunciam o meu fracasso
Só a lembrança de que te fiz feliz
Pode acalmar o grito do meu coração.
Foi loucura ou o amor se foi?
Esse conjugar dos verbos no tempo errado
Um relógio que apita um não
A gente só queria amor
Tudo que tivemos foi amor
Agora ele partiu pra outro coração
Todos perguntam por ti
Já não preciso chorar baixinho
Pra não te machucar
A vizinhança acordou com a minha dor, amor.
É um coração que bombeia sangue pra dois corações
Enfraquecido, cansado, desgastado
Quer descansar
Dormir até o tempo que não há cobrança
Até o dia que duas mulheres me abraçarem
E me pedirem pra ficar pra sempre na terra do nunca
Será que alguém vai bater na porta com um calmante?
Todos os animais estão na minha volta
Olham-me com a tristeza da saudade
Pura e bonita
De quem é ingênuo e acredita no retorno.
Sentem tua falta, apenas.
Como a ausência da luz diante da escuridão
Todo o barulho que se ouve são os teus passos chegando
Meu doce amor, meu grande amor, minha pequena grande e doce.
Até o deus triste projetado quer me abraçar forte.
É tanta incompreensão pelo ar
Que cada suspiro de certeza é dolorido
O arame farpado da insatisfação cortou nossos planos
E mudou nosso caminho
Dividiu duas almas siamesas que se completavam
Partiu com a fé e despedaçou nossos sonhos
Misturou a fantasia com a realidade
E condenou ao desejo de entrar no túnel do tempo
Pra reescrever esse conto repleto de saudade.
( do que fomos, não fomos, do que seríamos e não seremos mais)
Espero que a pele que te tocar seja terna
E que saiba do teu medo de avião
Que ela encaixe como luva na tua cintura
Num encaixe perfeito feito de imperfeição
Vou pintar minhas memórias com a cor dos teus olhos e cabelos
Fazê-la eterna e intocável
De modo que nem eu a alcance pra não estragar
Vou te amar vivendo, viver te amando
Sem derramar lágrimas de arrependimento
Sem carregar cruzes pesadas nos meus ombros
Tudo é ilusão, pretinha
Até a esperança
Quando a criança partiu de mim
Eu pensei que era cedo demais
Mas já era tarde e proibido sentir medo
Fechei meus olhos e ouvi tua voz
E brotou uma flor linda no meio do deserto
Era preciso te secar para resistir
Aos altos e baixos de me amar
Tudo que tem fogo, queima.
E o frio da minha loucura, te fez bater os dentes.
Tentei te abraçar, mas meus braços estavam congelados.
Petrificados;
virei uma estátua que ninguém para pra admirar.
O presente me chama e me obriga a caminhar pra longe de ti
Mas como João e Maria, vou deixar pistas
Para que um dia voltes para casa.

Thais Dornelles