segunda-feira, 29 de abril de 2013

ensaio do adeus


Drummond alertou-me
Que de tudo, fica um pouco

O pouco de mim em ti
Desenha uma ruga a mais em teu rosto
Pesa um cansaço a mais em tuas mãos

Aquele sapato com o salto quebrado,
jogado no armário.

Eu permanecerei quando tua boca, oca,
Secar de solidão

Uma unha quebrada que não cresce
pintada de esmalte permanente preto

Nos teus cabelos mortos caídos pelos lençois
Na mancha de sangue de alguma calçada

Verás meus olhos, o pouco de mim em ti,
Nas pichações dos viadutos sujos, 
talvez no centro da cidade,
no olhar de um marginal, na expressão ingenua,
todavia forte, da juventude

O pouco, o quase nada, de mim, em ti estará

Nos pés descalços dos meninos do sinal
Na lua cheia invadindo teu apartamento
Num hospital, num manicômio
Numa quimioterapia, nas tuas terapias

Na criança que te aponta a língua.

No teu enjoo do cheiro de esgoto,
Nos ares ruins de Buenos Aires.

Na tua identidade!

O muito de ti, em mim, estará
Nas brincadeiras de cabra cega
Nas camas dos hoteis
Nas ruas de Barcelona
No cheiro dos livros que me forçarão a ler
Na audiência presidida, na audiência assistida
No parque do Moinhos de Vento

Nas enchentes, qualquer catastrófe da natureza
Ventania, ondas gigantes.

Nas pessoas inconvenientes que me incomodarão

No porão da casa que não existe
No tango de um Gardel triste

Nos quadros negros, num giz
Um microfone qualquer

Na fúria dos olhos que me fuzilarão
Nas músicas do Chico, do Silvio

Na minha identidade

Na saudade humana pelo que não se conhece

Na caixa lacrada no canto da sala
nos vestidos coloridos da Mafalda

Nas segundas cinzentas no Rio de Janeiro que atravessa abril
na tosse de alguém engasgado
no jogo da forca

Do pouco que tive de ti, ficarás muito

Por pouco, deu tempo de parar
barrando  para que  não estejas em tudo

É a presença fatiada: metade aqui
e a outra metade desconhecida.

Thais Dornelles


sexta-feira, 26 de abril de 2013

segunda-feira, 22 de abril de 2013

dinossauro

a mesma mão que engatilha a arma é a que retira as balas.
no labirinto das emoções, a razão é invisível.
o sinônimo de humanidade é confusão
não, não é racionalidade.
um sentimento forte somado a outro pode virar zero.
depende só de quem faz a equação.

somos carne rumo ao apodrecimento
todos com medo da morte
então alguns aceitam trocar o coração verdadeiro
por um de plástico colorido

abriram meu peito, tiraram de mim meu direito
das flores da primavera, só sobraram as folhas do outono
o fogo não mais esquenta
as mãos são geladas, se escondem do toque
vão para o bolso.

os olhos, diante de olhos que enxergam
olham para baixo, olham para o lado
eles não miram o presente,
são pedras esquecidas no passado.

as feridas vestem marcas, roupas caras
do tédio, nasce uma aquisição
que retira um sorriso curto dos rostos tristes

eu vejo da minha janela
um paredão cinza,

o sol desistiu do homem, vai se distanciando
sua intenção é derreter as geleiras
que habitam o coração humano.

domingo, 21 de abril de 2013

trata (do) da loucura (com (a)


ela nasceu mulher para que não morresse de coragem exagerada.

agora ela entende o porquê! é pra morte se arrastar e seus olhos não fecharem de imediato. se fosse homem, com braços fortes e barba mal feita, já a tinham matado, ela já teria matado, mas é mulher dos cabelos pretos, mãos delicadas e da pele macia e lisa. o rodopio das ideias inacabadas a torturam diariamente. é possível que ela envelheça e até a convençam de que é louca. o que a espera é a solidão. por conforto, ela repetirá pensamentos em seu cérebro que a tranquilizam. dirá todos os dias diante do espelho que pessoas inteligentes são sozinhas. ela não quer morrer, todavia a vida parece um fardo. mas não há do que ela reclamar. todos dirão isso o tempo todo até ela ceder por completo, entupindo-se de pílulas que remediam, mas não curam. uns farão perguntas, a estudarão e ela perceberá, sempre. nada mais óbvio do que afirmar loucura para negar a realidade. uma louca chora no escuro, não incomoda. os problemas de verdade - dirão - são bem mais sérios e são. a louca de estômago cheio e vida fácil. ela olha ao redor e vê miséria gritante onde há fatura. porque alguém ouvirá sobre alma, se o corpo está em pé? se o mundo pegasse seus olhos por minutos seria possível entender. seria? nada melhor e mais simples, menina, que aceitar a condição humana, tão limitada e desumana. quem chora pelos que tem fome agoniza muito mais que os que tem fome porque nada pode ser feito. dar de ombros, aceitar o vazio existencial, comprar uma bicicleta, beber todas as noites ameniza a impotência porque a anula. quem é vazio não sofre as dores do mundo e é escutado. adapte-se, durma cedo, coloque no ralo o seu tempo e quando a fúria do teu coração explodir teu peito para ser escutado, tome um antidepressivo e babe a fronha do travesseiro com um sono pesado e sem sonhos.

volta agora, abra os olhos, já!!

rasgue as convenções, anule os contratos. se todos disserem  "vá para a esquerda", não vá, tão pouco vire a direita, siga em frente. talvez tuas percepções, tua intuição esteja equivocada, ainda assim não tome como verdade absoluta a impaciência e incapacidade humana em entender o amor.

terça-feira, 16 de abril de 2013

viva la vida

o amor e a obsessão
caminham lado a lado
um é iluminado pelo sol
outro vaga na escuridão
tão difícil, parecem irmãos gêmeos idênticos.
mas olhando com atenção,
dá pra perceber que um é ermo e feio.

todas as juras, pareciam reais
meras palavras bonitas, então?
papéis sujos, contaminados que vão pro porão

não toque em mim
me examine de longe, sou um rato
tua paixão pelo crime
tornou-me quase uma criminosa

de repente, sou um sapo
eu, que falo tão bem de mim, não sei quem sou?
sou a rejeição em fúria
um soco no estômago do meu agressor

dorme agora,
minha escopeta
mirará outro alvo

desculpe as balas de tinta

meus olhos não te reconhecerão em pouco tempo
teus olhos não me verão no inverno
quando a estação mudar, o calor voltar
eu que não sei o que é o amor
vou controlar minha loucura
sem a tua solidariedade ou ternura

730 dias apagados a borracha
com o movimento das minhas mãos
e a força da minha vontade

lá na frente, vou virar para ver o passado
não haverá paixão
e nem saudade.

o paraíso é pro outro lado


.


sábado, 13 de abril de 2013

eu sei mentir! (eu sei?)








Cannonball

There's still a little bit of your taste in my mouth
There's still a little bit of you laced with my doubt
It's still a little hard to say what's going on

There's still a little bit of your ghost your witness
There's still a little piece of your face I haven't kissed
You step a little closer each day
Still I can't see what's going on

Stones taught me to fly
Love taught me to lie
Life taught me to die
So it's not hard to fall
When you float like a cannonball

There's still a little bit of your song in my ear
There's still a little bit of your words I long to hear
You step a little closer to me
So close that I can't see what's going on

Stones taught me to fly
Love taught me to lie
Life taught me to die
So it's not hard to fall
When you float like a cannon

Stones taught me to fly
Love taught me to cry
So come on courage
Teach me to be shy
'Cause it's not hard to fall
And I don't want to scare her
It's not hard to fall
And I don't wanna lose
It's not hard to grow
When you know that you just don't know

Damien Rice


terça-feira, 9 de abril de 2013

poeminha


beija-flor que me visita
de onde vens?
será que há paz na terra que habitas?
pousa na minha janela, me faça algum bem
faca-me esquecer dela
ou me diga que, um dia, ela me vem!
quais são tuas cores?
identifico, mas parece-me ilusão
no teu ninho, há quantos amores?
de que tamanho é teu coração?
são seis horas da tarde
o sol partiu, foi descansar
há um frio que arde
um calor interno que me faz tiritar
vais embora agora?
nem ficaste um pouco
eu sei, já vais porque és bicho solto
e já está na tua hora
eu vendi minhas asas
como o tal anjo no filme
e nem um beijo levei
e tu, que beija todas as flores
também quereria uma só?
há um nó no meu sapato
ando tropeçando e não consigo correr
se a vida é para amar, 
o quê mais eu devo fazer?



domingo, 7 de abril de 2013