sábado, 6 de fevereiro de 2016

Eu li você. Há uma angustia compartilhada entre nós duas. Meu coração é um rio em tempos de seca, e teus olhos me anunciam a chegada da chuva. Aliás, você veio nessa temporada, E eu, que já estava apática com a situação, Nessa condição imposta, uma mulher quase pedra, vi alguma coisa boa retornar, a maior de todas as minha cascatas reaparecer, inundando minha carcaça dura com alguma esperança.
Então eu sorri, sou feita de água. Fechei meus olhos e emergi no meu próprio mundo, que sequer reconheço mais. Faz tanto tempo que nem sei...
Mas sei que você é feita de água também. Diferentemente das outras, que eram compostas de terra E só aumentavam esse deserto. Ou pareciam a brisa do verão e passavam por mim, Sem em nada alterar meu estado de estagnação. Também houveram as mulheres feitas de fogo Que, você sabe bem, são perigosas em climas áridos e destroem a paisagem que já é escassa, Deixando apenas uma fumaça desagradável
Mas você? Você não. Nós somos o encontro das águas, Isso não significa que somos ou seremos uma só: Há rios que não se misturam, apenas se tocam.
Eu quero me esfriar na sua temperatura amena, Você sentirá um choque térmico - eu sou mesmo fervente - Mas é só uma diferença, uma novidade, o novo pode ser bom. Você precisa encostar, esse é o desejo da natureza. A função dos rios é não parar, não pare! Todavia quando se encontram, não dependem mais do mar. A água salgada é uma expectativa, uma utopia. O oceano é o amor platônico das águas doces. A ideia da plenitude, da saudade do desconhecido, Também habita corações de rios que não riem mais. Mas a vida real é outra coisa e nós já sabemos disso.
Eu não ambiciono mais nada, minhas margens são formadas pela paisagem que tem. Nem avanço mais sem ser convidada, porque já fui composta de correntezas violentas e, honestamente, cansei. Hoje, sou mais tranquila, de águas serenas, embora ainda tenha meus dias de revolta. Mas não entenda mal, não é conformismo, hoje eu exercito a paciência. Sigo em posição de resistência: nenhum espaço que me pertence, mínimo que seja, será retirado de mim ou compartilhado com quem não mereça.
Porque você? É que você parece um espelho que não me esconde o diferente No entanto, vejo bem nítidas as semelhanças.
Sim, talvez, ao teu lado, eu permaneça quieta. Mas sumiria a angustia da procura, da espera, esse desespero todo. O movimento só é feito se houver uma meta.
Ou talvez, a tua presença faça voltar aquela sensação boa, que impulsiona e faz sorrir. Tenho para mim que podemos retomar os nossos pedaços invadidos, roubados e agora aterrados E que isso depende da união. Eu quero uma enchente inédita, histórica, Quero de volta tudo que foi meu e me foi arrancado. Quero você, deixa ser o que for, que seja fantasia. O movimento nasce do estímulo, nasce do amor. E o amor é uma companhia, Já dizia outro sonhador, noutra poesia.