O homem que tenta voar
Sem asas.
Veio um homem e lhe apedrejou
Com um estilete
O homem não era mau
Era um homem entediado
Perdido
Cego
Que ao ver o pássaro colorido
Percebeu o escuro da sua vida
Pensou que um dia poderia voar
Com as assas daquele pássaro
Pensou que um dia poderia ser bonito
Ele correu, como correu, até aproximar-se
Sorriu
E realmente sua boca era linda
O pássaro não temeu
Nunca deixaria de pousar onde quisesse
Pensou em adormecer no ombro do homem
Ingênuo, deixou-se tocar
Rapidamente, formou-se uma gaiola invisível
“o essencial é invisível aos olhos”
E o coração não vê barreiras
O homem foi feliz
Pois tinha algum motivo verdadeiro
Real, vivo
Que o fizesse sentir
O pássaro sempre acreditou
Por isso era pássaro
Por isso voava
Ficou ali
Ambos trocaram sabores
Trocaram vivências
E, de repente, como uma tormenta não prevista pelos meteorologistas
A chuva caiu
O vento assoprou o pequeno pássaro para longe
Inconformado por voltar a ser o que era
O homem lhe apontou suas mágoas
A sua pior arma
Mágoas enfraquecem!
E lhe atirou no peito a sua escuridão
Ao acordar, o pássaro já não era mais pássaro
E nem passearia mais pelos céus
Virou homem, sem assas, preso ao cotidiano
Tornou-se escuro, vazio, oco
Olhou para cima
E viu, quem lhe cortou as asas, voando
Livre.
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