domingo, 22 de julho de 2012

os olhos dela




Se eu pudesse silenciar, toda a história seria distinta. Os meus olhos deixavam claro, não abriam espaço para a mentira. Se soubesse que os olhos, sozinhos, diriam tudo, teria escrito cartas de amor, mas as guardado para o momento certo. Se eu pudesse acreditar no momento certo, não teria enviado músicas, poemas, atenção.  Sabotei o tempo e o tempo cobrou o preço: mandou-me palavras vazias, um não que não libertou, excluiu-me a possibilidade de ouvir e ver, sentenciou-me a tantas interpretações e a sentir- apenas- sem aliança com a razão.

Todas as teorias que eu tinha sobre, eram vagas e loucas. Nada poderia ser comprovado, nenhum sinal poderia ser levado a sério. Só eu sabia e nem eu acreditava. Quando nossos olhos cruzavam-se, os segundos viravam anos, todas as vozes sumiam, todos os corpos desapareciam. Ela dizia com seus olhos, que eram de uma cor única, dizia coisas em outra língua. Eu dizia o que ela já sabia. Eu não entendia, ela não entendia. Melhor fugir, melhor não encostar, eu supunha, então- às vezes- ela passava de cabeça baixa ou interrompia aquela conversa sem palavras que era integra; todos podem falar ou escrever o que bem entender, o papel e os ouvidos suportam tudo, mas ninguém consegue dissimular com os olhos. Mentir, talvez, diante de um bom preparo, é possível. Mas omitir, disfarçar, mascarar, ninguém consegue. Os olhos dela me chamavam para perto. Era como se eu soubesse totalmente a solução de um crime hediondo e não conseguisse, não tivesse provas cabais e o assassino permanecesse impune. Eu tinha algo que foge a razão humana, algo abstrato, intocável que só poderia ser compreendido se houvesse empenho e interesse. Era preciso ajuda, um amigo. Nomeei o mais sincero de todos, o mais fiel de todos, o mais presente de todos, esquecendo-me, também, que era o mais desatento de todos. Inúmeras vezes, como uma árvore seca, permaneci na estrada do prédio uma hora antes dela chegar, necessitando- em certos dias- mais uma hora depois do suposto horário que ela chegaria para depois saber que ela já estava dentro do prédio. Ficava lá, eu e meu amigo com um cigarro na mão. Não desviava o olhar do caminho por onde ela surgiria. Meu amigo, era amigo como poucos, prestava-se à essas situações, mas no momento que eu provaria- seriam duas testemunhas- ele esquecia-se do que esperávamos. Eu tinha vontade de matá-lo. Acreditava nele acima de tudo. Se ele me dissesse que não percebeu, eu teria desistido e não estaria aqui, agora, às 05:46 da manhã sendo consumido pela insônia e tristeza da dúvida. Era tudo coisa da minha cabeça, fuga desesperada do meu ego furioso por não ter sido amado. Será? Convencia-me por dias disso até que chegava o dia em que ela aparecia: lá estava, novamente, de mãos atadas com o sobrenatural. Eu a via duas vezes por semana, todas as semanas, todos os meses. Utilizei todas as táticas possíveis e até impossíveis como, por exemplo, fugir entre os corredores do prédio, utilizar as escadas, fazer caminhos maiores para chegar onde deveria e não vê-la, mas o poder da fé, tão subjetivo e inexplicável, a força do meu pensamento de amante, fazia-me encontrá-la sempre. Eram três elevadores no prédio, matematicamente falando, eu tinha 33% de chance das portas abrirem para que eu entrasse ou saísse e a visse. Isso desconsiderando a questão do tempo, da necessidade do momento exato e dos passos contados que deveriam andar sincronizados para que nos víssemos. Eu não acreditava em destino e nem em nada que não tivesse o auxílio, pelo menos, da ciência do homem. Mas eu também não acreditava que era possível, perante sete bilhões de pessoas, desejar apenas uma. Ela veio, de fato, pra fazer-me repensar minhas teorias, veio para nomear minhas teorias, veio para resumir-me à um incapaz que viveria inutilmente, sem brilhantismo, se ela não sorrisse e fizesse o sol mudar de ideia e surgir durante a noite. Era preciso sabedoria para lidar com aquilo. Era preciso tranquilidade para não ceder ao desequilíbrio da dúvida e parar na cama de um hospital com crise de ansiedade aguda. Todas as evidências deveriam convencer-me que eu nem existia na vida daquela mulher; que ela não perdeu um segundo, sequer, do seu tempo tão precioso pensando em mim;  que ela não se questionou por nem um momento de como seríamos se ela permitisse a conjugação do verbo viver no pronome nós;  que em nenhuma noite ela perdeu o sono, lembrando das minhas palavras e dos meus olhos tão ingênuos; que, em sonhos, ela não suou ao imaginar minha boca deslizando por toda a sua pele branca; que ela nunca nem cogitou saber quem eu era, onde vivia e como vivia e nunca estacionou o carro diante do meu edifício só para ver-me; que ela não desesperou-se numa mesa de bar ou no seu sofá na presença da sua melhor amiga, contando-a que, aquela situação, a deixava confusa.

Tudo que eu queria era esquecer, ir adiante e não me prender numa história sem lucidez. Então, os olhos dela gritavam-me algo que eu não entendia. Era como se eu entendesse a língua espanhola, mas não tivesse domínio suficiente. Eu captava a essência das palavras, mas quando devia formar as frases, perdia-me e ficava tudo desconexo. Os olhos dela diziam-me sim, amor, agora, vem, não vai, medo, confusão, dor, espanto, paixão, admiração, respeito, mas eu tinha guardado nos meus pertences, respostas dela que diziam: sem amor,não agora, não vem, vai, não tenho medo, não sou confusa, minha dor vem de outro, tua ação não me espanta, não tem paixão, mas te admiro, há muito respeito e nada mais. Eu precisava de dez minutos, não mais, diante dela e de mais ninguém para ter certeza. Se eu a incomodava com as minhas investidas de amor, mas deixava claro que se ela sentasse na minha frente e convencesse-me, como boa argumentadora que era, eu partiria para nunca mais voltar, porque havia tanta negação dela em chegar perto de mim? Tudo bem, eu aceito a tese do descaso, da insignificância de alguém na vida de outrem, da falta de tempo pra assuntos que não são tão relevantes. Aceito tudo, respeito todos que me julgam louco por persistir de mãos dadas com a empatia. Eu a tinha como a mulher mais, a mais mulher de todas, a grande mulher. E eu a tinha assim, por todas as ações e palavras que ela tinha na vida. Era torturante pensar que ela desprovia de imensa solidariedade para todas as causas do mundo, menos com o meu coração. Era uma dor absurda imaginar que eu seria o único segregado na construção do seu universo tão justo. Nunca a vi cometendo grosserias, nunca a vi agindo sem educação e respeito, mas, por algum motivo- comigo- ela não era capaz de ser humana. Uma vez fiquei à um palmo de distância da sua boca, eu tive que baixar os olhos e esconder minhas mãos nos bolso porque o olhar dela comeu todas as minhas forças e desmanchou toda a minha capacidade de expressão. Gaguejei tanto, tremi tanto que, ao lembrar, envergonho-me. Eu deveria tê-la encarado, eu sei, mas o cheiro do hálito dela, o perfume do pescoço dela e, sempre, os olhos dela, inibiram toda a minha coragem que sempre foi minha principal característica.

Hoje eu sei e já compreendo melhor muitas coisas. Respeito muito mais o misticismo, a fé, as crenças. Ainda acredito na ciência, mas não a tenho mais como verdade absoluta. Tudo isso, modificou-se só com a força de um par de olhos – os olhos mais lindos que já vi- que foram capazes de igualar-se a razão e fazer-me ajoelhar e confessar minha insignificância humana diante do que não há explicação, diante do segredo dos olhos dela.

Thais Dornelles 

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