Me afoguei no vinho e morri lembrando do teu rosto. Quando
cheguei no céu, deus - irônico e tão bêbado como eu – gargalhou. Sentei-me ao
seu lado e comecei a falar. Nossa conversa durou dez anos e foi regada de muito
uísque com energético. Ao contrário do que todos pensam, no paraíso ninguém
voa. Todos permanecem sentados, exceto as crianças que correm por todos os
lados, sobem em árvores. Realmente não há ninguém com fome ou frio. É o que o
difere da terra. De resto, é tudo igual. Eu perguntei a deus porque eu estava
lá e não no inferno. Ele me disse que
vidas terreiras desgraçadas, mereciam um pouco de paz. Eu retruquei afirmando
que havia sido feliz, então ele falou o teu nome. Disse-me que chegarias em
breve. Eu pedi um cigarro, fiquei nervosa com a novidade, afinal tu estavas
chegando. Ele levantou, bateu palmas e plantas de maconha começaram a nascer
por todos os lados. Pediu-me minha blusa e mandou-me esquecer do pudor humano.
Eu a entreguei, estava com os seios de fora e com uma sensação incrível de
liberdade. Não havia olhares de
repressão, todos seguiam iguais. Ao pegá-la, ele a cheirou forte e me encarou.
Pensei: deus quer me comer! Disfarcei, fiquei intimidada, era como estar diante
do Bukowski e o sentir excitado. Pensei que eu treparia com deus sem problema
algum. Levantei a cabeça e olhei forte, mais forte que o olhar de Eva quando
viu o tal Adão. Ele aproximou-se e, num piscar de olhos, minha blusa virou um
papel de ceda enorme. Eu não contive o espanto e nem a risada. Disse que não
saberia fechar um baseado daquele tamanho.
Ele olhou para a grama, abaixou-se e estendeu a blusa no chão. Depois
tocou na grama e ela começou a afundar, virou uma pequena rampa. Em segundos, o
beck estava lindamente pronto. Ele mandou-me ascender e eu disse: eu não fumo,
cara, não consigo respirar. Com um ar debochado ele lembrou-me que eu já estava
morta. Como vou ascender? Eu perguntei. Ele mandou-me assoprar a ponta e eu
fiz. Minha boca cuspiu fogo e eu traguei o infinito. Transformei-me numa
andorinha e o ouvi gritar que meu tempo era curto. Percorri os céus e, de
repente, deparei-me com a poluição do homem. Tinha voltado para a terra e tinha
asas. Eu voava na velocidade da luz atrás de ti. Pousei na tua janela e te vi
triste e sozinha. Rodeada de livros e sem as minhas poesias baratas para
nutrir, ao menos, teu ego. Tu escutavas uma das músicas de amor sofrido que eu
havia mandado e não expressava nada, absolutamente nada. Bati as asas, bati no
vidro com o meu bico de pássaro e tu me enxergaste. Fiquei tão feliz, mas tão
feliz em te ver e ser vista por ti que me esqueci às últimas palavras de deus.
Tu levantaste e esticou a mão para me tocar. Quando, finalmente, eu sentiria
tua pele, voltei a ser mulher, voltei para a pedra onde Eva sentava sozinha. De
cabeça baixa e explodindo de tristeza, percebi que deus se aproximava. O
fuzilei com os olhos e ele disse-me que não adiantava. Fiquei muito irritada!
Já havia chorado tanto e as lágrimas ainda caiam até no paraíso. Acho que ele
solidarizou-se comigo. Serviu-me uma taça de vinho tinto feito de uvas roxas
gigantes e mandou-me fazer um pedido. Disse-me para pensar bem. Pensei por
muito tempo, mais alguns anos e disse: quero um pênis, mais alguns centímetros,
pelos no peito e quero voltar para a terra. Deus balançou a cabeça, fazendo
sinal negativo e disse-me, de novo, que não adiantaria. Eu insisti e ele sumiu.
Um terremoto começou a desmontar todas as estruturas do céu e eu cai, cai e
cai. Quando acordei estava num parque, sem roupas, sem nada, era um travesti.
Um policial cheirado gritou para que eu me vestisse e eu o disse que não
poderia, pois não tinha dinheiro. Fui presa, estuprada e agredida por muitos.
Outros me ensinaram uma porção de coisas. Um mutirão de advogados caridosos me
tirou da cadeia. Disseram-me que eu não deveria mais ser uma criminosa. Eu não
entendi muito bem, mas evidente que não os contei a verdade. Aceitei todas as
recomendações e fui embora. Todos me olhavam feio, mas eu tinha um objetivo.
Quando te encontrei, fiquei tão feliz que não me contive. Te abracei forte e
quando me afastei, vi tua expressão de nojo. Tu abriste a bolsa, pegou uma nota
de cinco reais, entregou-me e partiu. O sentimento do ódio tomou conta de mim,
joguei o teu dinheiro no chão e disse que não queria. Teu olhar era de pânico.
Tu olhaste na volta e percebeu que estávamos sozinhas e, como de costume, fugiu
de mim. Eu te segui, pedi que esperasse, mas quanto mais eu falava, mais tu corrias.
Eu corri também e então tu começaste a gritar. Eu te peguei forte e tapei tua
boca, disse que não te machucaria. Te beijei , mas não senti nada, total,
aquela boca não era minha. Arranquei tuas roupas e tu começaste a chorar. Eu
expliquei que precisava daquilo, mas nada te acalmava. Então, quando segurei
teus seios, ouvi um grito e depois não ouvi mais nada. Estava, novamente, no
céu, na maldita pedra do paraíso. Ouvi os passos de deus e perguntei o que
havia acontecido e ele me disse que um homem bondoso e corajoso, que te comeria
mais tarde, tinha me matado. Eu achei toda aquela experiência um saco, uma
balela sem fim. Falei para deus que estava cansada e que, se estava morta, não
deveria estar cansada. Pedi um cigarro, mas um cigarro de tabaco e mais uma
taça de vinho. Bebi e fumei por mais alguns anos, fiquei muito introspectiva.
Deus deve ter passado pelo que eu passara porque tentou inúmeras vezes ser meu
amigo, mas eu estava cagando e andando para ele e para todos. Aquele céu era um
saco, não tinha noite, nunca chovia. Era uma perfeição aborrecedora. Eu já
estava enjoada daquele vinho tão nobre e vomitei por todo o paraíso, cuspi em
alguns anjos loirinhos, debochei dos aleijados e deus me expulsou de lá. Fui
para o inferno e achei luxo. O diabo me odiava, ninguém fingia interesse na
minha história de amor chata. Tudo era
sujo, todos eram sujos, eu era suja, uma igualdade absurda. Uma noite, resolvi
falar com o diabo. Ofereci minha alma para ter teu corpo. Ele riu da minha cara
e me indagou o que ele faria com ela e mandou-me a merda. Eu concordei , não
tinha como descordar mesmo. O inferno era muito quente e eu comecei a sentir
falta da temperatura ambiente e até do frio. Pensei numa maneira de voltar à terra. Tinha que ser algo muito brilhante: se eu fosse boazinha, ia para o
paraíso novamente. Então comecei a conversar com todos, uma espécie de
terapeuta. Revindiquei direitos de saneamento básico e qualidade de vida. O
diabo ficou puto comigo e me chamou para uma reunião. Disse-me que, ali, quem
mandava era ele e que espíritos não egoístas seriam banidos. Eu o enfrentei,
ele fez um tsunami, tomei alguns litros de água, ondinhas de nada eu exclamei.
Ele perguntou quem eu era para afrontá-lo e eu disse meu nome. Ele disse-me,
então, volta para o paraíso sua chata e eu gargalhei. Fiquei do tamanho dos
Andes e o disse: isso tudo foi feito com um interesse, seu babaca! Pronto,
voltei pra terra! Tudo tinha mudado muito, só que não. Na verdade, todos
estavam velhos e enrugados, inclusive eu. Acordei num hospital psiquiátrico com
um diagnóstico de esquizofrenia. Devia ter uns 60 anos. Tomei todos os
remedinhos para me adaptar ao sistema fajuto e tive alta. Pedi para minha neta
levar-me até tua casa e não moravas mais nela. Fiquei maluca e demorei alguns
meses para saber teu paradeiro. Quando descobri, afundei na merda mais uma vez.
Tinhas morrido. Sentei na cadeira de balanço que havia sido da minha avó e
repensei tuas atitudes para saber se estavas no céu ou no inferno e mais uma
vez morri por ti. Quando passei pelos portões da entrada do paraíso, deus
sorriu e me deu boas vindas. Eu o abracei forte, gostava do cara. Ele perguntou
por onde andei e eu disse que ele sabia, ora bolas, deus não sabe de tudo?
Sentei-me na pedra outra vez só que dessa vez ela era bendita, me senti bem em
estar lá. Alguns dias se passaram e eu me controlei para não perguntar de ti,
mas - daí – deus me ofereceu uma tequila. Muito bêbada eu o indaguei com o cu
na mão, se tu tivesses ido para o inferno... ai! Ele bateu palmas e parabenizou
meu esforço por não ter perguntado antes e gritou teu nome. Lá estavas, linda
como o dia que te conheci e como todos os outros que te vi. Vieste sorrindo e
pegaste um copo de bebida. Ficamos conversando por anos e anos, frente a
frente. Deus não nos deixava em paz, sempre na volta incomodando, um merda. Eu
o chamei num canto e perguntei se dava para ele vazar dali por algum tempo. O
filho da puta baixou a cabeça e disse que não era permitido sexo entre duas
mulheres no paraíso, que não era uma regra dele, mas de cima. De cima de quem,
eu gritei, quem está acima de ti, seu viado?! Ele perguntou se eu queria ir
para o inferno novamente e lembrou-me que tu não irias. Eu sentei na pedra que
voltou a ser uma pedra maldita. Teus olhos me chamavam para perto, tua pele transpirava
um cheiro tão bom... Cheguei à conclusão que a única saída que tínhamos era
matar deus. Falei isso e tu ficaste um pouco assustada e me indagou como eu
faria. Eu disse que não sabia, mas que daria um jeito. Caminhei por anos atrás
da planta noz vômica. Quando a encontrei, extrai dela toda a estricnina que
podia e voltei. Abracei deus, um abraço sincero, te olhei forte e pedi uma
bebida para comemorarmos a minha tão esperada e imposta aceitação do destino.
Trouxeste uma cerveja de trigo maravilhosa e começamos a beber. Deus já estava
meio borracho e nem percebeu o pozinho branco na taça. Antes de morrer ele
apertou minha mão e disse invejar-me. Mandou-me fazer valer a pena todo aquele
esforço, eu pedi desculpas e quando fui justificar aquele ato, ele caiu duro na
grama. Caminhei na tua direção e te beijei, beijei muito. Tua boca, teu
pescoço, tuas mãos. Fiquei meio sem saber o que fazer, então, tu fizeste tudo.
Me comeste por anos, em todos os cantos do paraíso e ficamos juntas para
sempre.
(escrito no mês de julho/2012)
(escrito no mês de julho/2012)
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