Vou projetar teu esquecimento. Vou sumir, projetando que nem
te darás conta. Eu acreditarei nisso.
Vou ler Albrecht e mudar minha visão, vou aprofundar meu conhecimento e
escrever uma tese que nunca será lida por ninguém. Vou desligar as máquinas,
desligar as conexões. Pisar forte no chão e viver a realidade nua e crua de que
não me queres, nunca quiseste e não vais vir ficar comigo. Pode ser que
funcione, mas como o que aconteceu até agora, é uma projeção! Não pensar é naturalmente pensar e quando
penso em te esquecer, inevitavelmente estou pensando em ti. Não interessa o
sentido dado, interessa a essência que, no meu caso, intrinsecamente és tu. Não
escutarei mais os lamentos dos companheiros que viveram ou ainda vivem essa
maldita situação. Sem músicas de amor, que é o amor, senão o que criamos para
fugir de algo interno que nos atormenta? Que é o amor, senão uma ilusão
exacerbada de que outra pessoa nos salvará do nosso próprio carma? Que é esse
sentimento tão poético, tão desejado, senão a necessidade de não pensarmos a
vida real, exatamente como ela é? Uma espécie de martírio sem fim: tudo esteve
errado, permanece errado, permanecerá errado, mas continuaremos vivos até
morrer. Temos duas mãos e achamos que se tivéssemos quatro mãos, as coisas se
tornariam mais simples. Quatro mãos, quatro olhos, quatro pés facilitam o
trabalho árduo de seguir fazendo o que não tem sentido. Duvido que seja esse o
propósito. Quer dizer que evoluímos, viramos seres pensantes para passarmos a
nossa vida inteira batalhando por coisas inúteis, por algum mérito patético,
por um diploma? Não, a vida dos macacos, aqueles que vivem suas vidas ainda e
não foram apanhados pelos homens, me parece bem mais interessante. Dividiram
nossas horas em minutos, os minutos em segundos e, simplesmente, controlam
tudo. Deram uma explicação, um nome para o que era só mais um dia, chamaram de
dia o andar natural das coisas vivas. Não é dia, não é noite. Quem disse que quando
o sol se põe é noite? Nomearam tudo, justificaram tudo e seguimos aqui.
Acordamos cansados, dormimos pouco, nossos cérebros são amontoados de
informações descartáveis. Tudo fruto do tédio! O homem, ser inteligente, não
aceitou a ideia simples de que nascemos, crescemos e morremos, e desenvolveu
uma teoria complexa que acabou o enjaulando num passar do tempo sem lógica.
Evidente que não consigo me livrar de ti. Teu corpo poderia esquentar o meu nas
noites curtas do inverno e tua voz poderia me iludir de que estou cumprindo um
propósito na terra. Se eu tivesse ao teu lado, aceitaria todas as
nomenclaturas, até seria capaz de ser feliz. Poderíamos desenvolver mais uma
teoria para nos convencermos que estamos
cumprindo uma função social. Teríamos filhos que vagam pelo mundo a nossa
espera, acreditaríamos nisso cegamente, fortemente e viveríamos outra projeção.
Uma projeção sem fim, ou melhor, uma projeção que cessaria com a morte. Depois
apodreceríamos igualmente aos macacos. Que propósito? Que conclusões podemos
tirar da vida, senão que ela acaba? Eu concluo, agora, que – ao teu lado ou não
- meu destino é o mesmo, teu destino é o mesmo.
Vamos virar comida dos urubus, se outra ideia criada do tédio humano – as
religiões- não desaproveitar essa função, condenando nossos corpos a um caixão. Prefiro que meu sangue alimente o que ainda
está vivo. Prefiro a ideia de que seguirei viva no estômago desse pássaro preto
que voa pelos céus sem o peso do relógio, sem a cruz da inteligência que, na
verdade, é a prova da burrice humana. Pensar antecipa o fim, pensar deixa
triste, pensar afunda. Por pensarmos tanto, somos preguiçosos, somos tão
acomodados. No século atual, o homem – preocupado com o caos da globalização-
cria incessantemente teorias para justificar seus atos desumanos que nasceram da
preguiça: vamos ter conforto em cima dos que não terão conforto, vamos ter água
numa torneira porque muitos morrerão de cede, teremos – também- um objeto com
rodas para nos levar a lugares na esperança de ver algo interessante que jamais
refletirá nos nossos espelhos. Os sonhos, que nada mais são do que o descanso
de uma cabeça que não sabe ter paz, viraram cifrões, mansões. Desejamos
qualquer coisa que amenize e justifique nossas atitudes. A meritocracia nada
mais é do que o nome dado para nos convencer que – embora sejamos seres
inteligentes- ainda vivemos a lei da selva. A palavra força foi criada no
intuito de incentivar uma competição fria e calculada entre todos,
absolutamente todos que estão vivos. Competimos o tempo todo, somos leões bem
alimentados, mas incrivelmente entediados. Daí, quando criamos consciência dos
nossos atos vazios, nós ficamos tristes e nos embasamos em qualquer luta que
levante uma bandeira humanista que não deixa de ser outra justificativa para
seguirmos aqui. De todas as projeções, talvez essa seja positiva. Talvez, mas
não deixa de ser uma projeção – a projeção da caridade- para não nos sentirmos
tão ruins como, de fato, somos. Cuspimos, esmagamos nossa humanidade
diariamente, seja vendo a televisão, seja acessando redes virtuais, seja
comprando pão na padaria e depois discursamos numa roda o que devemos fazer
para mudar o mundo. Nem percebemos que é uma roda, um círculo hermenêutico e
não tem um fim. A única solução é começar tudo de novo, é uma explosão que
acabe com tudo, que nos faça andar descalço, plantar nossos alimentos e nos
faça voltar a viver no que chamam de barbárie, sem perceber que não há nada
mais animalesco do que aceitar, desfrutar, continuar uma trajetória sem nexo,
sem sentido – se é que alguma possui- e sem nenhuma humanidade criada pelo
homem entediado, insatisfeito, dissimulado, hipócrita diante do fato que viver
nada mais é que respirar, se alimentar, matar a sede, sentir calor, frio e
caminhar em direção à morte.
Claro que será complicado te esquecer, te deixar para trás.
Somos todos nômades que passam pelos lugares, pelas pessoas, usamos tudo e
todos e seguimos a estrada sem conhecimento do que virá depois. Eu queria te
levar comigo, ter a tua companhia diante do nada que tenho e vejo pela minha
janela. Sou humana, penso demais, tenho medo do vazio dos meus dias, do tédio
absurdo de existir apenas. Tua boca reproduziu palavras que amenizavam o
sentimento aniquilante da impotência, da tristeza por ter consciência. Vai ser
difícil, uma espécie de operação: abrirei meu peito para aplicar uma dose
altíssima de anestesia no meu coração para seguir viva. Isso me causará uma dor
absurda, por isso insisto em te convencer a vir comigo, a viver comigo, pois
precisamos de anestésico para seguir no caos. É por isso que a ideia do amor é
tão forte, tão importante. O sedativo para aguentar pode vir de beijos, de
toques, pode ser um cheiro único que nos dopa e nos faz sorrir. Um beijo é algo
maravilhoso, um bisturi não. É por isso, só por isso, que insisto em ti.
Mas não, eu não sei por que isso só acontece com alguns. Outros
são obrigados a seguir sem esperança ou a fincarem uma agulha nos seus
corações. Eu faço parte dessa lista. Depois da operação realizada, mesmo depois
de muito tempo, o músculo que bombeia o sangue pelas nossas veias, nunca mais
será o mesmo. É como uma laqueadura, uma vasectomia: um procedimento sem volta.
Nunca mais serei a mesma, nunca mais porque vou fazer o caminho inverso do
percurso: vou arrancar amor de mim, sendo que ele é o que nos mantém vivos. Me
parece sem lógica, tão sem nexo quanto a vida como ela é levada, mas aceito a
incoerência por que não tenho outra saída senão aceitá-la. Não tenho outra
saída, senão aceitar o fato de que não farás parte da minha vida. Devo
respeitar a tua autonomia, tua decisão por mais cruel que ela me soe. Devo
partir, devo juntar do chão os pedaços do espelho que projetava um sonho bom.
Devo rasgar tuas fotos, queimar teu sorriso, esquecer o contorno do teu rosto
que foi plano de fundo da tória que me deixaria em paz e feliz. Tudo projeção
para tranquilizar, ao menos, a realidade dolorosa desse mundo.
Estou em procedimento cirúrgico nesse momento, mas vou
sobreviver. Vou, pois existirão outros nomes, outra bocas daqui um tempo, eu
espero. Esperei por ti por um ano agora espero não te esperar mais para depois
esperar outro alguém. A vida nada mais é que uma longa espera. Estamos sempre
esperando o momento em que não esperaremos mais; esperamos a morte!
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