esse sereno da madrugada
minha voz rouca
meus traços deformados da febre
minha boca costurada
essa imagem no espelho que desconheço
um eco alto ensurdecendo
uma alma oca
vazio, casa sem móveis
delírio do alcool
medo da solidão
ele me diria que eu cavei meu próprio buraco
essa dor sórdida e fiel que não abandona
minha lingua dormente, sentindo mil gostos
sem sentir absolutamente nenhum
meus dedos tarados
esse desejo em rasgar tuas roupas
te ver de olhos bem fechados
esse sussurro que nunca veio
essa espera
seja o que for, essa esperança maldita
de que o dia amanheça diferente
esse sonho desconecto
jogado num canto, esquecido por todos
eu abro meus olhos
de imediato, me remetem teu rosto
essa poesia que não toca
que destrata, que agride
essa perturbação medonha
uma conta zerada, um ano que não passou
minha planta morta
essa desatenção
o gato no telhado mia a vida
(eu fecho a porta)
a morte fala meu idioma
sangro
uma hemorragia que não finda
pelo chão, escorrem pedaços
essa parede invertida, de cabeça pra baixo
duas mãos,
essas unhas roidas
essa minha ruina
ouço vozes, mandam-me ter calma
- mas como - eu grito - eu tenho alma!?
esse suspiro que não puxa ar
um limite invisível
até onde se vai?
eu arremesso pro céu com toda a minha força
tranco os pés no inferno pra não ir
esse cotrato oneroso
essa lei intocável, clausula pétrea
rasgo, invoco o poder constituinte
a onda gigante arrebenta a pedra, mas não fura
pra onde vão os pássaros esse ano?
sempre pro mesmo lugar
mês que vem eu pago as contas
renasco, firme e forte
agora, enfio o cano na boca,
e como uma bala
não estava, não estou e não posso ir
onde estão as cores desse filme cinza?
critico e convenço
não mais!
nem eu me elejo
voto em branco
assino teu despejo, reconheço firma
essa cama tão desarrumada
é o reflexo do meu coração
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